Axiologia Educacional
Textos e leituras complementares |
(registo de ideias à margem/em complemento das aulas)
1. Polaridade ou gradualidade?
A defesa de que a "polaridade " é uma característica estrutural dos valores é pacífica no quadro de uma ontologia dualista, de uma concepção da realidade em que a mesma seja a expressão de forças de sinal oposto, uma positiva e outra negativa. Assim, os valores correspondem à primeira e os tais "desvalores" à segunda. O dualismo ontológico foi historicamente dominante na tradição filosófica e cultural do Ocidente. Tende-se geralmente a atribuir a origem disso ao Cristianismo e ao facto de ele ter estruturado essa tradição. Na verdade, o dualismo, antes de ser cristão, é um traço fundamental da cultura grega desde o orfismo-pitagorismo ao platonismo. Depois, no seu período de formação e definição doutrinal o cristianismo foi moldado por essa raíz grega através, designadamente, do neoplatonismo. Por outro lado, foi-o também pelo maniqueísmo e por outras influências religiosas orientais. Em Santo Agostinho, 400 anos depois de Cristo, ainda se procura uma síntese entre essas componentes da cultura antiga com a mensagem cristã. Ora, nessa perspectiva dualista, valores positivos serão o oposto de valores negativos e poderemos mesmo falar de "desvalores" e até de "antivalores". A luta entre o Bem e o Mal, entre a Luz e as Trevas manifestar-se-á naturalmente na polaridade dos valores. Pelo contrário, uma ontologia monista só pode encarar quer o plano da realidade quer o dos valores como palco da expressão do Ser e do Valor. O que sucederá nesta perspectiva será, simplesmente, que haverá a manifestação em maior ou menor grau seja da realidade seja do valor. No campo axiológico diremos que, de um ponto de vista monista, o que caracteriza estruturalmente os valores não é, então, a polaridade mas a gradualidade ou gradabilidade , ou seja, o facto de os valores sempre existirem, se realizarem, se darem, em um grau mais ou menos elevado. Em vez de um oposição entre Beleza e Fealdade, como se elas alguma vez existissem realmente na sua pureza absoluta, teremos a realidade habitada/povoada por mais ou menos valor estético. Quando consideramos que o é num grau acima da mediania falaremos de Beleza e, pelo contrário, quando o grau for abaixo dessa linha média, de Fealdade. Mas nem a Beleza nem a Fealdade são absolutas, e o que teremos é menos ou mais valor estético.
Acerca do
Maniqueísmo [Maniqueu] (...) nascido na Pérsia, no século
III, fundou uma religião, o maniqueísmo (...). A religião maniqueísta
se difundiu pelo Império Romano e pelo Ocidente Cristão. O
maniqueísmo combina elementos do zoroastrismo, antiga religião
persa, e de outras religiões orientais, além do próprio
Cristianismo. Possui uma visão dualista radical, segundo a qual o
mundo está dividido em duas forças: o Bem (luz) e o Mal (trevas)
como entidades antagônicas em perpétua luz. Luz e trevas no sistema
maniqueísta não são figuras retóricas, são representações concretas
do Bem e do Mal. O Reino da Luz e o Reino das Trevas estão em
permanente conflito. - continuação do
texto aqui
[No
Neoplatonismo ] Será acentuado o dualismo
platônico entre
sensível e inteligível, entre matéria e espírito, entre finito e
infinito, entre o mundo e Deus: primeiro, identificando, por um
lado, a matéria com o mal, e elevando, por outro lado, o vértice da
realidade inteligível ao suprainteligível e, em segundo lugar,
elaborando uma moral ascética e mística, em relação com tal
metafísica, a qual, todavia, se esforçará por unificar os pólos
opostos da realidade, fazendo com que da substância do Absoluto seja
gerado todo o universo até a matéria obscura. - continuação do texto aqui
2.
Acerca da noção de perfil axiológico :
É inegável a
diversidade humana: todos temos consciência de como os indivíduos,
os grupos, as sociedades e as épocas diferem muito entre si.
Tratamos habitualmente de atribuir essa diversidade a causas
sociológicas/sociais, psicológicas/psíquicas, históricas, culturais,
civilizacionais, etc. Assim explicamos o “conflito de gerações” ou o
“choque de civilizações”. A nossa preocupação em explicar a génese
da diversidade deriva - como a generalidade dos nossos esforços de
racionalização - da necessidade de contermos em limites
compreensíveis (controlados) aquilo que nos perturba enquanto não o
conseguimos explicar. E assim é que o mais comum é passarmos à
explicação e à justificação sem cuidarmos suficientemente da atenção
e da compreensão dos dados e dos fenómenos, neste caso, do fenómeno
iniludível da diversidade axiológica. Do ponto de vista da Axiologia (da Axiologia
Geral, para sermos mais precisos, já que no caso da Axiologia
Educacional o problema não se põe exactamente da mesma maneira) o
nosso objectivo não consiste em apurar, determinar, conhecer a causa
ou causas dessa diversidade, mas sim em constatar, compreender,
analisar essa paleta multicolor característica do mundo axiológico.
Sem pôr em causa que se possa e deva indagar sobre o que subjaz e
determina essa diversidade, a nível histórico, cultural, social,
psicológico, etc., a Axiologia Geral trata simplesmente de
identificar e compreender o seu quê e não
o seu porquê . Decerto que a educação
desempenha um papel importante na constituição, formação e alteração
de um dado perfil axiológico, mas, ao nível da Axiologia Geral não
está em causa como ele se “fabrica” e simplesmente a percepção e
compreensão do que o caracteriza. Diríamos que se trata de nos
dispormos a uma análise axiológica,
análise distinta da análise psicológica, sociológica ou
antropológica. Tratamos de compreender o que define um
determinado “sistema de valores”, ou seja, um perfil axiológico. Um
herói/personagem da banda desenhada, do cinema, da literatura ou da
história, do passado ou do presente, da realidade ou da ficção, um
indivíduo, um grupo ou uma entidade mais vasta podem ser
considerados aqui Podemos falar de “perfil axiológico” tanto em
relação a pessoas quanto a entidades ou até a produtos culturais
individuais ou colectivos como sejam as ideologias (o guterrismo, o
cavaquismo, o soarismo, o pintasilguismo ou o salazarismo, dando
como exemplo a política portuguesa). Podemos ainda através da
análise axiológica traçar o perfil de uma determinada publicação
periódica ou aperiódica, de uma editora, de um grupo musical ou de
uma companhia teatral, de uma associação ou de uma agremiação de
algum tipo (da SOIR Joaquim António de Aguiar aos Mão Morta, à
Maçonaria, ao Bloco de Esquerda ou um outro Partido seja ele o X ou
ou oY). Chegaremos à definição do perfil
axiológico procedendo à escalpelização, à autópsia axiológica, à análise sistemática
de um dado “objecto” considerando-o em termos axiológicos ou seja
enquanto sistema de valores, enquanto uma forma determinada de
hierarquização das diversas ordens de valor e enquanto sistema de
vivência prática desse sistema. Por esta via nos habilitaremos a desenvolver uma
nova sensibilidade perceptiva, a sensibilidade axiológica, caracterizada não
pela perspectiva etiológica ou genética mas antes por uma
perspectiva mais descritiva e analítica em que os fenómenos valem
pelo que são enquanto manifestações sem cuidarmos de averiguar o que
neles se manifesta. E se alguma espécie de julgamento axiológico
chegar a ser legítimo ele só o será com base numa madura e aturada
reflexão informada por uma exaustiva análise da realidade axiológica
na sua diversidade e na sua riqueza plural. A análise axiológica conduzir-nos-á à percepção
de um perfil axiológico isoladamente ou através de
uma análise comparativa. A título de exemplo: o perfil axiológico de
James Bond, do Tio Patinhas, do Fado, do Blues, do Obelix, do Pikatchu, de Homer ou
Lisa Simpson, da Mafalda ou do Superhomem, de Godot ou de Mufassa,
da Barraca ou dos Heróis do Mar, de Wagner ou da Anita, de um dos
Três Porquinhos ou de todos eles, de Nelson Mandela, de Salazar ou
de Gandhi, do Raichu ou do Shinchan, de Pasteur, de Edison, de
Napoleão ou de Einstein, de um criador artístico ou de uma sua
criação, de Brecht ou da Mãe Coragem, de
Picasso ou da Guernica,… enfim, um perfil
ou um conflito entre perfis axiológicos. Casimiro
Amado, 2004
3. Um erro frequente: a redução dos valores aos valores éticos e da Axiologia à Ética Não é só no discurso quotidiano que a confusão se faz. De facto, um dos principais problemas que "atacam" a generalidade dos escritos acerca da Axiologia, dos valores e, também, da Axiologia Educacional, consiste na lamentável confusão entre Valores e Valores Morais. Assim, a Axiologia acaba por ser reduzida à Ética/Moral e a Axiologia Educacional parece ter por objecto simplesmente a educação moral, a educação para os valores éticos. Desta redução resulta um extraordinário e lamentável empobrecimento da Axiologia e da Axiologia Educacional. Imaginemos uma situação hipotética em que na educação se promove o desenvolvimento axiológico no âmbito de todas as restantes ordens de valores com excepção dos éticos. Será que não estamos nesse caso perante uma autêntica educação para os valores?! A julgar por muitos dos textos que se produzem nesta área, julgaríamos que educação axiológica é sinónimo de educação moral... de tal forma se exemplifica sempre com o domínio da ética quando se quer falar de valores.
Sugestões de Leitura na Internet:
"Manifesto contra o trabalho" pelo Grupo Krisis 2. Que educação para o trabalho? /Que educação para o consumo? ? |